No dia 26 de Janeiro de 2021, a agência Tatoli, o jornal The Oekusi Post e a GMN TV publicaram uma notícia relativa à visita de Xanana Gusmão ao ex-padre Richard Daschbach. No dia seguinte também o jornal Diário e Independente publicaram a mesma notícia. Contudo, estas apresentam um conjunto de problemas que devem obrigar a uma reflexão conjunta profunda da classe jornalística em Timor-Leste e para a qual o Conselho de Imprensa tem a obrigação de dar um contributo determinante.
De forma sintetizada apresentam-se os erros detetados:
1. Três dos citados meios de comunicação social acompanharam o acontecimento mas optaram por publicar um comunicado de imprensa ao invés de escreverem uma notícia própria, tornando desnecessária a despesa e o tempo perdido nessa deslocação.
2. O comunicado de imprensa foi publicado pelos cinco meios de comunicação social com poucas ou nenhumas alterações, numa total demissão da atividade jornalística, não verificando, não procurando o contraditório, não diversificando as fontes, não procurando o rigor e a verdade dos factos.
3. Três dos citados meios referiram que a fonte era um comunicado de imprensa, mas não identificaram a sua origem, enquanto os outros dois omitiram mesmo tratar-se de um comunicado.
4. Três dos citados meios apresentaram a notícia assinada por um jornalista, o que constitui uma apropriação da obra de outrem, ou seja, plágio.
5. O facto de os cinco meios publicarem um comunicado de imprensa, num dos casos com chamada de destaque na primeira página, coloca a questão da ausência de pluralidade e a justificação da existência de tantos meios quando publicam textos iguais.
6. O comunicado de imprensa publicado por estes meios de comunicação social contém imprecisões e omissões que tornam a notícia tendenciosa, não cumprindo efetivamente a sua missão de informar.
7. O comunicado de imprensa publicado por estes meios de comunicação social visava um objetivo, como todo o ato público, no qual os jornalistas aceitaram participar optando por defender um interesse particular em vez do interesse público.
8. Alertados por uma polémica criada nas redes sociais acerca do estatuto de Richard Daschbach perante a instituição da Igreja Católica, os meios digitais optaram por corrigir a referência ao padre para ex-padre, sem qualquer explicação sobre esta alteração.
9. A notícia apresenta uma longa biografia do visado, omitindo informação relevante, nomeadamente o facto de ter sido expulso do sacerdócio pelo Vaticano e de estar acusado da prática de crimes de abuso de crianças e pornografia infantil, entre outros, e que o próprio confessou, essencial para traçar o seu perfil.
10. Ao referir na sua biografia apenas factos positivos do seu percurso, os meios de comunicação social contribuem assim para veicular uma imagem falsa do visado, desconforme com a realidade, num claro processo de branqueamento.
11. Há ainda referências no texto que parecem pouco relevantes do ponto de vista jornalístico mas que se assumem claramente como recursos retóricos para despertar no leitor sentimentos de compaixão e empatia.
12. As notícias incluem mesmo informações falsas, que deviam ter sido verificadas pelos jornalistas, até porque estes haviam publicado recentemente notícias com factos diferentes dos agora difundidos pelo que bastava apelar à memória.
13. Um dos meios presentes na cobertura do evento publicou uma informação extra relativamente ao comunicado que carece de verificação, pois a afirmação da fonte citada parece não estar de acordo com o procedimento legal previsto para este caso e, mais uma vez, contribui para o sentimento de compaixão.
14. A JU,S solicitou um pedido de retificação, tendo a mesma sido efetuada por dois deles, mas não cumprindo o estipulado na lei. Um dos meios publicou uma notícia com a retificação exigida mas sem qualquer referência na original.
15. Ainda antes da retificação, esse mesmo meio já havia apagado uma versão inicial da notícia após a publicação de uma nova, sem qualquer explicação aos leitores.
16. O outro meio alterou simplesmente o parágrafo relativo à queixa da JU,S, sem qualquer referência a essa alteração, já depois de ter corrigido a referência ao padre para ex-padre, igualmente sem o assumir.
Estes problemas podem ser enquadrados no âmbito da violação à lei existente, ao Código de Ética Jornalística que vincula todos os jornalistas timorenses ou, simplesmente da ética profissional em geral e da ética enquanto cidadão. Todos eles deviam envergonhar a generalidade da classe jornalística e ajudam a descredibilizar por completo esta atividade que se quer digna e vigilante dos poderes instituídos e do Estado de Direito Democrático.
Timor-Leste, no seu processo de desenvolvimento pós-conflito, precisa mais do que nunca de uma comunicação social forte, responsável e credível, que possa cumprir efetivamente a sua nobre missão. Para tal, precisa de jornalistas sérios, que façam o seu trabalho orientado pela honestidade e de forma crítica e atuante, representando os anseios e as necessidades dos menos favorecidos e não como um difusor passivo da voz dos poderosos.
Assim, apela-se aos jornalistas que reflitam sobre o seu papel na sociedade e que recusem a função de meros transmissores passivos de mensagens (“moços de recados”). Enquanto mediador, o jornalista tem que usar o sentido crítico e dar um contributo que justifique a sua existência profissional e seja uma mais-valia para o público.
Apela-se ainda que revejam os deveres previstos da Lei da Comunicação Social, nomeadamente no que diz respeito ao direito de resposta e retificação, para além, naturalmente, dos princípios éticos que devem estar sempre presentes no exercício da atividade.
Díli, 5 de Fevereiro de 2021